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Como evitar a bitributação em clínicas médicas? | ClinicWeb

Escrito por Bruno Pereira | Mar 1, 2023 3:00:00 AM

O Brasil é conhecido pela sua alta carga tributária, sendo um dos países que mais arrecada impostos no mundo. A legislação sobre os tributos é tão complexa que chega a ser confusa, fazendo com que muitas empresas paguem mais impostos do que deveriam a fim de estarem em dia com a Receita Federal. Um desses casos é a bitributação.

No caso das clínicas médicas, a bitributação é uma dor de cabeça para os gestores, causando muitas dúvidas sobre a aplicação da duplicidade do imposto sobre o mesmo serviço prestado e que tipos de acordos para evitar a bitributação podem ser feitos.

Será que a bitributação é ou não é legal? Um imposto pode ser cobrado duas vezes? Quando se fala em questões legais, a resposta, na maioria das vezes, é a mesma: depende.

Para não perder dinheiro, é preciso entender quando, legalmente, um serviço pode ou não ser bitributado e, para isso, é necessário conhecer os conceitos de bitributação e a agenda tributária para, depois, traçar uma estratégia de prevenção de bitributação.

O que é bitributação?

É chamada de bitributação a cobrança duplicada de impostos sobre um mesmo fato gerador. No caso de clínicas médicas, quando um único serviço prestado é tributado duas vezes.  

Existem duas possibilidades para a bitributação. A primeira delas é a dupla tributação simples, quando só um poder público tributa o mesmo serviço mais de uma vez. Já a dupla tributação cumulativa é quando mais de um poder público tributa o mesmo serviço.

Para entender melhor, é necessário explicar que a Constituição Federal de 1988 atribuiu aos entes federativos, ou seja, à União, aos Estados e Municípios, diferentes fatos geradores.

Fato gerador é o ponto de partida para uma obrigação tributária a partir de uma situação definida pelo legislador, como regulamenta o Código Tributário Nacional.

Conforme o artigo escrito pelo advogado Leonardo Monteiro, a tributação de uma clínica médica pode variar de acordo com o regime tributário que ela se insere, porém os impostos mais comuns são o Imposto de Renda Pessoa Jurídica (IRPJ), a Contribuição Social sobre o Lucro Líquido (CSLL), a Contribuição para Financiamento da Seguridade Social (COFINS), Programa de Integração Social (PIS), o Instituto Nacional do Seguro Social (INSS) e o Imposto sobre Serviço (ISS).

No caso das clínicas, a bitributação pode acontecer quando dois ou mais entes — Município, Estado ou União — aplicam dois impostos sobre um único serviço do contribuinte. Isso pode acontecer quando diferentes estados tributam o mesmo serviço com taxas diferentes; quando União, Estado e Município cobram diferentes impostos sobre a mesma atividade econômica; ou quando existem tratamentos fiscais diferentes para a mesma atividade econômica.

Dessa forma, quando não há um planejamento fiscal adequado, a taxação pode ocorrer mais de uma vez, por poderes públicos diferentes ou não.

A bitributação é legal?

A Constituição Federal de 1988 veda a bitributação sobre a mesma fonte por pessoas jurídicas diferentes. No entanto, por mais injusto que pareça, em alguns casos a bitributação está dentro das conformidades das leis, de acordo com o direito tributário em dois casos específicos.

Um deles é no caso iminente de guerra externa, quando, caso o  governo necessite aumentar a arrecadação para gerar recursos, pode instituir impostos, inclusive instituir a bitributação. 

O outro caso, bem mais comum, é a bitributação internacional. Ela é regulamentada entre comércio de bens e serviços entre dois países, tanto para pessoas físicas quanto jurídicas.  A bitributação internacional engloba taxação em renda, dividendos, royalties, entre outros impostos.

Há ainda o bis in idem, que é quando o mesmo fato gera duas cobranças para a mesma pessoa jurídica, algo considerado lícito. Entenda melhor:

Bis in idem

Um exemplo comum de bis in idem é o fato de uma clínica que obteve lucros ser tributada sobre a Renda e também pela Contribuição Social sobre o Lucro Líquido (CSLL), dois tributos da União Federal. Isso é permitido pelo sistema constitucional desde que a competência tributária seja exercida dentro dos parâmetros constitucionais, respeitando os princípios e as imunidades.

Outro exemplo comum é a cobrança de PIS e COFINS pelo mesmo serviço. Ela é legal desde que seja justificável de acordo com os termos constitucionais.

Bitributação

Também é possível a cobrança dupla do mesmo imposto em um único serviço. Vamos supor que um paciente faça um procedimento. Ele efetua o pagamento do valor para a clínica, que precisa emitir uma nota fiscal. Os impostos são calculados sobre o valor total na nota, mesmo que esse dinheiro não pertença somente a ela. Assim, se o procedimento custar R$1 mil e a alíquota do ISSQN — de competência municipal — for de 3%, por exemplo, o imposto devido será R$ 30. 

O pagamento do mesmo procedimento também geraria mais 11,33% em tributos da União, sendo eles o IRPJ, a CSLL e a COFINS, somando pouco mais de R$ 143 em impostos.

Seguindo o raciocínio, imagine que a clínica ainda precise repassar o pagamento dos envolvidos no procedimento, que são profissionais liberais. Suponha que o auxiliar receba R$ 150 pelo seu serviço e emita uma nota fiscal pelo recebimento. Se a lei municipal classificar a prestação de um serviço como fato gerador da obrigação de pagar, por exemplo, o ISSQN,  ele também vai pagar 3%, ou seja, mais R$ 4,50 são transformados em impostos. 

Importância do compliance tributário

A primeira medida para não pagar impostos duplicados, é preciso ter controle de todos os processos fiscais. Para isso, existe o compliance tributário.

Do verbo no inglês “to comply”, compliance significa cumprir  uma regra. No caso fiscal, para se ter compliance é preciso adotar medidas que garantam a conformidade com os processos. Para isso, é preciso que os processos fiscais sejam organizados em conformidade com a legislação, criando processos, rotinas e ações internas para exercer o seu papel de contribuinte.

No caso das clínicas médicas, são exigidas muitas declarações, e a equipe de contabilidade precisa estar sempre atenta às mudanças tributárias. É por isso que adotar um processo de compliance é fundamental. 

Para isso, é preciso levar em conta a qualidade das informações. 

O uso da tecnologia, como o sistema de gestão para clínicas ClinicWeb, pode ajudar em diversas tarefas, como a realização de uma matriz tributária, a definição de uma agenda tributária e o aprimoramento na entrega de informações, ações que são essenciais para o compliance.

Com isso, a sua clínica médica vai se organizar em relação aos tributos e evitar duplicação nas tributações, além de ter controle total da parte fiscal.

Como evitar a bitributação?

A melhor forma de evitar a bitributação é focar em um planejamento tributário a curto, médio e longo prazo. Essa é uma forma lícita de evitar que sua clínica médica pague mais impostos do que deveria. 

Isso envolve estudar os fatos geradores que antecedem os impostos para escolher a melhor tributação para cada caso. 

Atenção: é preciso ficar atento para que não haja confusão entre análise tributária e sonegação fiscal. Ao planejar, é necessário escolher entre opções legais para reduzir o custo tributário sem utilizar formas fraudulentas para recolher menos tributos.

A primeira medida é conhecer todos os impostos e taxas incidentes que podem ser aplicados na operação de uma clínica médica, e conferir como a redução da carga tributária pode ser feita, analisando o impacto que a redução de alguns impostos podem causar em outros tributos. 

Quando a decisão sobre o custo tributário estiver tomada, é hora de pensar em um Planejamento Estratégico que considere os planos futuros, incluindo mudança de tributação, se isso for inevitável.

Saiba mais: 7 dicas para realizar a Declaração de Imposto de Renda para médicos

Redução da carga tributária para clínicas médicas

Há poucos anos, o Tribunal Superior de Justiça (STJ) estabeleceu que as clínicas médicas se enquadram em “Serviços Hospitalares”, portanto também têm direito a mesma tributação que hospitais.

Isso porque,  conforme a Lei nº 9.249/95, as empresas prestadoras de serviços enquadradas no lucro presumido são tributadas em 32% para o IRPJ e mais 32% CSLL. Contudo, essa mesma legislação prevê, no caso de prestação de serviços hospitalares, uma alíquota de 8% para o IRPJ e 12% para o CSLL, uma redução de 44% no total. 

Essa foi uma discussão que se estendeu por anos nos tribunais, sob a alegação de que as clínicas exercem as mesmas atividades que os hospitais. Por fim, o STJ entendeu que a expressão “Serviços Hospitalares” são aqueles vinculados às atividades que são desenvolvidas nos hospitais, e que podem ou não serem executados no interior dos estabelecimentos hospitalares.

Para se enquadrar nessa equiparação tributária, a clínica médica precisa atender alguns requisitos:

  • Prestar serviços de natureza hospitalar (cirurgias ou exames de auxílio diagnóstico e terapia, patologia clínica, imagenologia, anatomia patológica e citopatologia, medicina nuclear e análises de patologias clínicas);
  • Ser organizada como sociedade empresária;
  • Atuar em regime de tributação do Lucro Presumido;
  • Estar enquadrada nas exigências da Anvisa (Agência Nacional de Vigilância Sanitária).

Importante: Não é necessário ter estrutura de internação para os pacientes, já que a Lei nº 9.249/95 não considerou a estrutura física do contribuinte, apenas a natureza do serviço prestado, quando estabeleceu a redução de IRPJ e da CSLL.

No entanto, conforme o advogado Leonardo Monteiro, a melhor maneira das clínicas médicas conseguirem a redução da base de cálculo para evitar uma autuação do Fisco é por meio de ajuizamento. Para quem se dispor ao processo contra a União, é possível, ainda, pedir a restituição dos valores pagos a mais nos últimos anos.

Já paguei, e agora?

Se a sua clínica médica foi cobrada duas vezes pelo mesmo imposto, você pode buscar a recuperação do valor.

Esse problema pode ser resolvido de duas maneiras: com um acordo entre o contribuinte e ente federativo ou por meio de ação judicial, e pode ser feito até 5 anos desde a data do pagamento. 

Para ambas, contar com profissionais capacitados para o acompanhamento é a melhor opção, seja um contador ou um advogado tributarista, a depender da forma como escolheu resolver a cobrança indevida.